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Até onde estamos dispostos a ir para caber?

  • Foto do escritor: Fernanda Pereira Medeiros
    Fernanda Pereira Medeiros
  • 8 de nov. de 2024
  • 3 min de leitura

Essa é uma questão que por vezes me persegue - Até onde o sujeito é capaz de ir, de se ferir, de se adequar para ser aceito, para ocupar um espaço?


Ao assistir o filme A substância (2024) da diretora Coralie Fargeat essa pergunta recorrentemente me vinha à mente. São tantos os momentos que a diretora nos leva a pensar "Ah não, não é possível que ela vai fazer isso? Vai continuar com isso?"


Veja, a partir daqui esse fragmento de texto pode conter alguns spoilers.. mas nada que você já não tenha pensado, feito - especialmente se você é uma mulher - ou acompanhado uma pessoa próxima fazendo.


Cotidianamente na clínica (e ao longo da minha própria construção narrativa) tenho me deparado com pessoas incríveis, em sua grande maioria mulheres, empreendendo uma luta contra si para se fazer caber. Seja num relacionamento, em um emprego, em relações familiares .. É curioso como, até mesmo em atividades físicas e de lazer, seguimos espremendo nossos corpos, nossos desejos nossos anseios para que possamos alcançar uma legitimação de ser, uma autorização para existir.

E, aqui ainda nem estou falando dos relacionamentos abusivos que merecem ainda mais tempo de reflexão em um outro texto..


Falo das coisas miúdas do cotidiano, das pequenas concessões do dia a dia que admitimos "por um bem maior" e, também, "porque o resultado virá" . Algo muito semelhante ao que grande parte das meninas e adolescentes escutam quando são levadas para seus primeiros procedimentos estéticos: "pra ficar bonita, primeiro tem que ficar feia". Escutam quando se faz luzes nos cabelos, ou limpezas de pele e peelings diversos..

No filme, a diretora parece brincar bem com essa máxima tão estruturante do universo feminino, vai nos encaminhando para a relativização da dor em prol de permanecer existindo, pois

  • se o tempo vivido lhe marca a pele, se substitui por um corpo novo;

  • se se perde um dedo, coloca-se luvas;

  • se desconta na alimentação exagerada, então faz-se um procedimento de retirada do excesso.


    Uma eterna subjugação dos nossos corpos.


Lembro-me da primeira vez que vi uma colega na adolescência que realizou uma correção estética do nariz, fomos visitá-la logo nas primeiras semanas pós cirurgia.. o rosto inchado, os olhos roxeados, as narinas com algodão encharcado de sangue.. "pra ficar bonita, primeiro tem que ficar feia"..

O mesmo ocorreu quando, na infância, vi minha mãe chegar de uma lipoaspiração que tinha o sonho de realizar .. as semanas e meses que se seguiram em que vi minha mãe enfaixar e desenfaixar as coxas sempre tão marcadas de roxo e vermelhidões .. "pra ficar bonita, primeiro tem que ficar feia"


Exemplos que me vinham enquanto assistia ao filme e que apesar de parecem surreais, tratavam-se de cenas que se deram a partir da realidade concreta que nós, mulheres, tão bem conhecemos.

Mas, até quando?

Até quando permaneceremos segurando e nos encarando na maçaneta da porta - como tão dramaticamente faz a personagem de Demi Moore - na busca pelo mísero que aprisiona?


É contraditório que chamemos de body horror um filme que dilacera aquilo que, na realidade vivida, já não permitimos experienciar a expansão que lhe é possível.


Até quando persistiremos tentando caber em um ideal de corpo e posicionamento que tornam o outro confortável, mas nos relegam ao insuportável?


Quando poderemos experimentar a grandeza da potência de existir que não cabe, as vezes, nem no próprio corpo?



 
 
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